sábado, 30 de julho de 2011

... o ser dentro de mim...


"Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. O seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que o cavalo não tem nome. Basta chama-lo e acerta-se logo com o nome. Ou não se acerta, mas uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: as pessoas enganam-se e pensam que são elas mesmas que estão a relinchar de prazer ou de cólera, as pessoas assustam-se com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."

in adaptação de “uma aprendizagem ou o livro dos prazeres de Clarice Lispector

quinta-feira, 16 de junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Voltei!!!



Caminhei, caminhei, caminhei...

... Voltei para o mesmo lugar.


Na verdade dei voltas sem sair de mim.



terça-feira, 19 de abril de 2011

Será este o cantinho das declarações? Não... mas abro espaço...


O Nosso Livro


Livro do meu amor, do teu amor,

Livro do nosso amor, do nosso peito...

Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,

Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor

Mais santamente triste, mais perfeito

Não esfolhes os lírios com que é feito

Que outros não tenho em meu jardim de dor!

Livro de mais ninguém!

Só meu! Só teu!

Num sorriso tu dizes e digo eu:

Versos só nossos mas que lindos sois!

Ah, meu Amor!

Mas quanta, quanta gente

Dirá, fechando o livro docemente:

"Versos só nossos, só de nós os dois!..."


Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"

...

Era para ser apenas meu cantinho, ou a continuação daquelas coleções de poemas, imagens e músicas, que na adolescência fazíamos em nossos "cadernos de recordações", guardados no fundo do baú para não serem violados por pais curiosos e irmãos zombeteiros.


Nem sei quando começou a ser espaço de íntimas revelações... Daquelas da nossa face oculta, que por muito tempo na vida, passamos a esconder até mesmo de nós.


Agora... nem sei mais. Vai ganhando outras formas...

sábado, 9 de abril de 2011

A viagem do “Eu” no “Novo Mundo”

Depois de um ano aventurando/me pelas possibilidades de novas descobertas sobre o mundo e a própria vida, hoje sinto a necessidade de reflexões mais serenas e conscientes.

Com pausa nas lamúrias imaturas, por não ter todos os meus desejos atendidos como por encanto, é à hora de ver o saldo positivo do aprendizado deste caminho desconhecido, até aqui trilhado. Graças à iniciativa de evitar o medo no processo de sociabilização, valiosos foram os exercícios praticados.

Algumas impressões errôneas foram desfeitas, apesar da profunda tristeza sentida pela injustiça do comportamento equivocado, que não sai da prática de corações endurecidos. Que sejam evitadas novas generalizações precipitadas.

Uma grande quantidade de preconceito foi quebrada, apesar da amarga decepção sentida pela dureza da estupidez humana, que não abandona seres ignorantes. Que sejam evitadas novas classificações sem conhecimento.

É prazeroso contemplar o lindo desnudar da própria natureza. Aqui a viagem é difícil, mas a paisagem que surge, é muito mais bonita. A grande floresta escura e insondável do “Eu”, começou a ser cuidadosamente percorrida, com o avanço em reconhecer/me também no “outro”.

Meu universo interior ganhou novos espaços com lindas clareiras, onde hoje paro para descansar, enquanto aprecio as flores que brotam com a luz, que ali se faz presente. Que sejam contínuos os esforços do desbravar.

O caminho que falta para percorrer ainda será muito longo. Provavelmente nunca termine. Que assim seja.

Os próximos desafios serão enormes, mas a satisfação de ter avançado sobre as limitações é um grande tesouro conquistado. Que seja sempre visto como a mais doce e valiosa recompensa.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Revendo o sentido da "coisa irrespondida"


"Pergunto-te onde se acha a minha vida.

Em que dia fui eu. Que hora existiu

formada de uma verdade minha bem possuída

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto? Em quem penso,

iludida por esperanças hereditárias?

E de cada pergunta minha vai nascendo a sombra imensa

que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença de ti,

de mim, da coisa perguntada,

do silêncio da coisa irrespondida”.


. Cecilia Meireles .

domingo, 3 de abril de 2011

Agradeço pela paciência de reinventar/me constantemente

"Ele não sabe mais nada sobre mim. Não sabe que o aperto no meu peito diminuiu, que meu cabelo cresceu, que os meus olhos estão menos melancólicos, mas que tenho estado quieta, calada, concentrada numa vida prática e sem aquela necessidade toda de ser amada.


Ele não sabe quantos livros puder ler em algumas semanas. Não sabe quais são meus novos assuntos nem os filmes favoritos.


Ele não sabe que a cada dia eu penso menos nele, mas que conservo alguma curiosidade em saber se o seu coração está mais tranqüilo, se seu cabelo mudou, se o seu olhar continua inquieto. Ele nem imagina quanta coisa pude planejar durante esses dias todos e como me isolei pra tentar organizar todos os meus projetos.


Ele não sabe quantos amigos desapareceram desde que me desvencilhei da minha vida social intensa. Que tenho sentido mais sono e ainda assim, dormido pouco. Que tenho escrito mais no meu caderno de sonhos. Que aqui faz tanto frio, ele não sabe por mim.


Ele não sabe que eu nunca mais me atentei pra saudade. Que simplesmente deixei de pensar em tudo que me parecia instável. Que aprendi a não sobrecarregar meu coração, este órgão tão nobre.


Ele não sabe que eu entendi que se eu resolver a minha dor, ainda assim, poderei criar através da dor alheia sem precisar sofrer junto pra conceber um poema de cura. Hoje foi um dia em que percebi quanta coisa em mim mudou e ele não sabe sobre nada disso.


Ele não sabe que tenho estado tão só sem a devastadora sensação de me sentir sozinha.


Ele não sabe que desde que não compartilhamos mais nada sobre nós, eu tive que me tornar minha melhor companhia: ele nem imagina que foi ele quem me ensinou esta alegria."


(Marla de Queiroz)

quarta-feira, 16 de março de 2011

Silêncio...

Ficará uma lacuna... um silêncio... Aquela que um dia aqui registrou, já não é mais a mesma. Libertou/se

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Estabilidade X Liberdade




"Homens, flores, rancores, amores.
Você foi a bela adormecida, é a donzela decaída.
Sonhos, tolos, confundiram sua mente.
Até que ponto isso tudo
Pode te deixar doente
Você ainda é tão jovem...

... Estamos sofrendo, dessas doenças de alma.
Estamos amando em meio a uma grande guerra
Dançamos a valsa no meio da rua
Seguimos uivando pra rainha, a lua.

O sete é um numero místico, é um numero cíclico.
Dizem que de sete em sete pazes
Todas as coisas se transformam
Eu aguardo a mudança
Eu quero paz mental, estabilidade.
Por outro lado este amor me sugere liberdade"



As Doenças Da Alma
Júpiter Maçã

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

"Construindo-me, precisamente. "



Ninguém Se Conhece a Si Mesmo


Julga que se conhece, se não se construir de algum modo?

E julga que eu posso conhecê-lo, se não o construir à minha maneira?

E julga que me pode conhecer, se não me construir à sua maneira?

Só podemos conhecer aquilo a que conseguimos dar forma.

Mas que conhecimento pode ser esse?

Não será essa forma a própria coisa?

Sim, tanto para mim como para si; mas não da mesma maneira para mim e para si: isso é tão verdade que eu não me reconheço na forma que você me dá, nem você se reconhece na forma que eu lhe dou; e a mesma coisa não é igual para todos e mesmo para cada um de nós pode mudar constantemente. E, contudo, não há outra realidade fora desta, a não ser na forma momentânea que conseguimos dar a nós mesmos, aos outros e às coisas.

A realidade que eu tenho para si está na forma que você me dá; mas é realidade para si, não é para mim. E, para mim mesmo, eu não tenho outra realidade senão na forma que consigo dar a mim próprio.

Como?

Construindo-me, precisamente.


Luigi Pirandello, in "Um, Ninguém e Cem Mil"

domingo, 30 de janeiro de 2011

Alguém Me Disse...

"Disseram-me que as nossas vidas não valem grande coisa,
Elas passam em instantes como murcham as rosas.
Disseram-me que o tempo que desliza é um bastardo
Que das nossas tristezas ele faz seus investimentos
...
Disseram-me que o destino debocha de nós
Que não nos dá nada e nos promete tudo
Faz parecer que a felicidade está ao alcance das mãos,
Então a gente estende a mão e se descobre louco"
Composição: Carla Bruni / Léos Carax

Quelqu'un m'a dit

domingo, 16 de janeiro de 2011

Perdoados serão os teus remotos instintos súbitos, desde que me sirvas eternamente de teu mel

Elegia a uma pequena borboleta


Como chegavas do casulo,
— inacabada seda viva —
tuas antenas — fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia,

como caíste sobre o mundo
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeira,
com mais sonho e silêncio que asas,

minha mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, sua sepultura.
Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.

Ó bordado do véu do dia,
transparente anêmona aérea!
não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!

Choro a tua forma violada,
miraculosa, alva, divina,
criatura de pólen, de aragem,
diáfana pétala da vida!
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame não pesaria.

Choro esta humana insuficiência:
— a confusão dos nossos olhos
— o selvagem peso do gesto,
— cegueira — ignorância — remotos
instintos súbitos — violências
que o sonho e a graça prostram mortos

Pudesse a etéreos paraísos
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava!

E as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos,
— os espelhos que refletissem
— vôo e silêncio — os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!




De: MEIRELES, Cecília. “Retrato natural”. In: Obra poética. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Procurando se encontrar...


"Às vezes me sinto perdida,
não sei que rumo tomar,
são entraves que sempre encontro
ao longo do caminhar.
não sei se ando ou se paro,
não sei se grito se calo.
não sei se ignoro ou se atendo,
se protesto ou se defendo.
não sei se afasto ou se abraço,
não sei se construo se desfaço.
meio perdida na confusão do mundo,
meio perdida na confusão de mim ,
meio perdida na confusão de tudo ,
meio perdida na confusão sem fim."
Procurando encontrar...

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Para 2011...


... escolho o desejo de não sofrer.


Procuro-te

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa, os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre — procuro-te.

Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"